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  • Foto do escritorJean Natividade

O que faz um povo feliz? Avanços científicos sobre o bem-estar subjetivo

Atualizado: 3 de jul. de 2018



Anualmente, no dia 20 de março, é comemorado o Dia Internacional da Felicidade, um dos principais temas de estudo da Psicologia Positiva. A data é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU), que em 2012 anunciou a publicação anual de um Relatório Mundial da Felicidade, reconhecendo a relevância da compreensão da felicidade ao redor do mundo para guiar o desenvolvimento de políticas públicas. Desde que o relatório foi criado, a Dinamarca, ano após ano, ocupa uma das três primeiras posições. Em 2018, pela sétima vez consecutiva, os dinamarqueses ocupam o topo do ranking, superando 153 países em seus níveis de felicidade (ou bem-estar subjetivo, termo comumente usado por psicólogos em suas pesquisas).

Apesar de a Dinamarca cobrar os impostos mais caros do mundo, seus habitantes parecem felizes em pagá-los, pois têm um governo estável, baixos níveis de corrupção e acesso a educação e saúde de alta qualidade. Estudos recentes descobriram que, além desses fatores, a chave para a compreensão da felicidade dinamarquesa pode ser o que se chama “hygge”, termo criado para definir um aspecto cultural particular deste país, que se refere à valorização de interações sociais de alta qualidade. Basicamente, “hygge” está relacionado com a construção de relações íntimas e de confiança com outras pessoas.

O Relatório Mundial da Felicidade chama atenção para um tema almejado por todos e, ainda mais, pelos psicólogos, na última década. Partindo de uma crítica em relação a uma Psicologia com ênfase demasiada em aspectos negativos do ser-humano, a Psicologia Positiva surgiu como um movimento que enfatiza temas como a felicidade, o otimismo, a gratidão, entre outros, buscando a compreensão do que o ser-humano teria de melhor. A felicidade, ou o bem-estar subjetivo, tem tido especial relevância nessa área e tem sido estudada em larga escala, nacional e internacionalmente. O que os pesquisadores têm descoberto, afinal, sobre o bem-estar subjetivo? E quais são os fatores que explicam o fato de alguns países, como a Dinamarca, ocuparem as primeiras posições no ranking da felicidade e outros, como o Zimbabwe, ocuparem as últimas?

Uma década de estudos sobre o bem-estar subjetivo foi resumida na revisão bibliográfica realizada pelos pesquisadores norte-americanos Diener, Oishi e Tay, publicada este ano na revista Nature Human Behavior. Segundo esses autores, há evidências de que o bem-estar subjetivo varia não apenas de indivíduo para indivíduo, mas também de país para país, ou de cultura para cultura. Isso porque diversos fatores estão envolvidos na percepção subjetiva de satisfação com a vida, dos individuais (como a genética, a personalidade e as circunstâncias de vida) aos macrossociais (como a economia, a política, os níveis de corrupção ou de desigualdade social de um país).

Aproximadamente 30 a 40% da variação do bem-estar subjetivo pode ser explicada por fatores genéticos, o que faz com que alguns autores considerem a felicidade moderadamente hereditária. Pessoas mais extrovertidas, menos ansiosas e menos preocupadas tendem a se sentir melhor a respeito de suas vidas. Além disso, a satisfação de

necessidades básicas, como comida e moradia, e de necessidades psicológicas e sociais, como autonomia e experimentar respeito dos outros, são fortes preditores do bem-estar. Ainda, eventos de vida como se casar, viuvez, divórcio ou desemprego e, também, a autoestima, têm poder explicativo sobre a variação do bem-estar.

E o dinheiro, afinal, traz felicidade? Todos já nos fizemos esse questionamento, em algum momento da vida. Os psicólogos têm descoberto que uma renda maior geralmente está associada a uma maior satisfação com a vida, mas não necessariamente com a quantidade de afetos positivos que experimentamos. Da mesma forma, países desenvolvidos tendem a ter médias maiores de satisfação com a vida em comparação com países em desenvolvimento, mas não necessariamente médias maiores em relação à quantidade de emoções positivas que seus habitantes experimentam.

Ainda assim, países desenvolvidos tendem a ter médias maiores de bem-estar subjetivo. Em média, habitantes desses países avaliam suas vidas como mais próximas de uma vida ideal. E a diferença de médias pode ser grande: 4 para os habitantes de Zimbabwe e 7,5 para os dinamarqueses, por exemplo, em um escala de 1 a 10 (em que 1 corresponde à pior vida possível e 10 à melhor vida possível). O empenho do governo em satisfazer as necessidades da população, assim como fatores econômicos, menos desigualdade social, liberdade política e pouca corrupção podem explicar o nível de desenvolvimento de um país como preditor da satisfação com a vida.

Aparentemente, há muitos benefícios em ser feliz. Níveis de bem-estar subjetivo elevados, em geral, estão associados a uma boa saúde, a hábitos saudáveis, à longevidade e a um melhor desempenho profissional. Ainda, pessoas mais felizes tendem a ter relações sociais de maior qualidade: têm mais chances de se casar, menos chances de enfrentar divórcios e têm mais amigos, assim como tendem a ser avaliados de maneira mais positiva pelas pessoas próximas. Por outro lado, mesmo com esses benefícios, os pesquisadores não defendem que devemos ser felizes o tempo todo. Há benefícios, também, em experimentar momentaneamente emoções negativas. Se esporádicas, essa emoções podem nos ajudar a pensar criticamente e a tomar decisões mais adequadas.

Os resultados do Ranking Mundial da Felicidade de 2018 parecem ir ao encontro das descobertas científicas da última década sobre o bem-estar subjetivo. A Dinamarca, país desenvolvido que ano após ano ocupa uma das três primeiras posições, tem diversos fatores considerados pelos cientistas como preditores da felicidade, como um governo estável que assegura as necessidades da população, pouca corrupção, pouca desigualdade social e valorização de interações sociais de qualidade.

Por outro lado, também ao encontro de descobertas científicas, uma renda mais alta ou um país mais desenvolvido não são garantia de um povo mais feliz, pois embora tenham níveis mais elevados de satisfação com a vida, devido a fatores macrossociais mais favoráveis, não necessariamente experimentam afetos positivos com maior frequência. As colocações de países como Costa Rica (13º), México (24º), Chile (25º) e Brasil (28º), à frente de países como Espanha (36º), Itália (47º), Japão (54º) e Portugal (77º), corroboram o que os cientistas têm descoberto a respeito da complexidade do bem-estar: há muitos fatores envolvidos na explicação da felicidade de um povo, que não pode ser inteiramente (apenas parcialmente) explicada pelos índices de desenvolvimento de um país.

A busca pela felicidade não é recente na história da humanidade. Há muitos séculos filósofos buscam uma definição do que poderiam chamar de “uma vida boa”. Desde que se tornou um tema científico, na Psicologia, muitos avanços foram feitos na tentativa de compreendê-la, como os citados acima. Ainda assim, há muitas questões em aberto, como em que medida cada um dos fatores citados influencia o bem-estar e também se esses fatores seriam causa ou consequência do bem-estar. Essas questões continuarão a ser investigadas pelos cientistas, que já discutem limitações de estudos anteriores e possíveis refinamentos metodológicos para seguirem avançando em relação ao entendimento da felicidade humana.


Como citar esse texto:

Carvalho, N. M. (2018). O que faz um povo feliz? Avanços científicos sobre o bem-estar subjetivo [Blog post]. Retrieved from https://www.l2ps.org/blog/o-que-faz-um-povo-feliz-avanços-científicos-sobre-o-bem-estar-subjetivo



Referências


Diener, E., Oishi, S., & Tay, L. (2018). Advances in subjective well-being research. Nature human behavior. doi: 10.1038/s41562-018-0307-6

Helweg-Larsen, M. (2018, 20 de março). Why Denmark dominates the world happiness report rankings year after year. The conversation. Recuperado de https://theconversation.com/why-denmark-dominates-the-world-happiness-report-rankings-year-after-year-93542

Organizações das Nações Unidas (2018). World Hapiness Report. Recuperado de http://worldhappiness.report/ed/2018/

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